Uma Exposição do Livro dos Salmos
Salmo 10
Como Ser Teísta em Tempos Ateístas
Contextualização
Como já foi visto na mensagem anterior os Sl 9 e 10 formam uma só peça literária tratando de um mesmo assunto, a saber, a distinção entre os filhos de Deus e os ímpios.
Este salmo nos mostra (1) as ações maldosas dos ímpios contra os fracos, desamparados e pobres, e (2) a razão porque os ímpios agem assim: eles não se importam com Deus. O ateísmo não é somente a negação da existência de Deus, mas, também indiferença para com Deus e Sua Palavra. Existem ateus que tentam encontrar sentido para suas vidas através de um comportamento honesto e correto, ajudando os necessitados e se engajando em projetos sociais. Enquanto isso, muitos que confessam crer em Deus vivem de forma a indicar que para eles “não há Deus” (v.4). Todas as vezes que nos entregamos deliberadamente ao pecado estamos caminhando na via do ateísmo!
Quando leio este salmo e outros textos bíblicos com a mesma temática concluo que estou lidando com algo muito antigo e ao mesmo tempo tão atual, a saber, o ateísmo. Os nossos dias são marcados por um esforço ateísta que quer banir da mente humana toda revelação Divina, mas, não nos iludamos, o ateísmo sempre existiu, e aqui neste salmo aprendo Como ser teísta em tempos ateístas.
Como manter a fé em Deus mesmo quando ao seu redor você só encontra ímpios ateus?
1) Busque a Deus antes de tudo, v.1
Exposição v.1: “Por que SENHOR, te conservas longe? E te escondes nas horas de tribulação”.
A forma como Davi começa este salmo nos ensina tanto quanto as palavras do mesmo. Antes de avaliar o problema, de pesar sua dor e aflição, Davi busca a Deus. Apesar desse versículo estar na forma de questionamento, na verdade, Davi aqui está expressando sua fé em Deus. De partida ele deixa de lado seus próprios recursos e recorre a Deus.
E porque Davi dirige-se nessas palavras a Deus? Porque ele sabia que somente Deus tem o poder para refrear a maldade humana, embora nem sempre o faça no tempo que esperamos, e por isso mesmo assim como a Davi, também muitas vezes parece-nos que Ele se demora em atender-nos. Ao dizer que Deus se conservava longe e se escondia nesses momentos de tribulação, Davi está clamando pelo socorro divino.
Em tempos ateístas como os nossos devemos buscar a Deus não somente como sendo o nosso primeiro socorro, mas, especialmente como o nosso único socorro.
Aplicação v.1: Em meio às tribulações de sua vida busque a Deus antes de qualquer outro recurso. Mostre a sua confiança Nele. Encha o seu coração com a certeza de que Ele está perto, e que o silêncio Dele não quer dizer que Ele o abandonou ou está longe de você, mas, sim, que Ele tem o tempo certo de agir.
Você também precisa reconhecer o perigo e como ele se apresenta, por isso,
2) Entenda como o ateísmo se expressa, v.2-11
Exposição v.2-11: “2 Com arrogância, os ímpios perseguem o pobre; sejam presas das tramas que urdiram. 3 Pois o perverso se gloria da cobiça de sua alma, o avarento maldiz o SENHOR e blasfema contra ele. 4 O perverso, na sua soberba, não investiga; que não há Deus são todas as suas cogitações. 5 São prósperos os seus caminhos em todo tempo; muito acima e longe dele estão os teus juízos; quanto aos seus adversários, ele a todos ridiculiza. 6 Pois diz lá no seu íntimo: Jamais serei abalado; de geração em geração, nenhum mal me sobrevirá. 7 A boca, ele a tem cheia de maldição, enganos e opressão; debaixo da língua, insulto e iniquidade. 8 Põe-se de tocaia nas vilas, trucida os inocentes nos lugares ocultos; seus olhos espreitam o desamparado. 9 Está ele de emboscada, como o leão na sua caverna; está de emboscada para enlaçar o pobre: apanha-o e, na sua rede, o enleia. 10 Abaixa-se, rasteja; em seu poder, lhe caem os necessitados. 11 Diz ele, no seu íntimo: Deus se esqueceu, virou o rosto e não verá isto nunca”.
Os v.2-6 descrevem o caráter e as ações do ímpio. Eles também nos alertam quanto a pecados que podem estar em nosso coração e que fatalmente se transformarão em ações pecaminosas. Tudo começa no coração e é com o coração que devemos tomar cuidado.
O ímpio: seu caráter e obras (v.2-6)
O coração (pensamentos e vontades)
(v.2) arrogância (v.3) cobiça e avareza (v.4) soberba estúpida (não investiga) (v.5) desconhecimento e ignorância dos caminhos de Deus (v.6) presunção |
O comportamento (ações)
(v.2) perseguem o pobre (v.3) blasfema contra Deus (idolatria) (v.4) ateísmo confesso (não há Deus) (v.5) zomba e desdenha daqueles que se lhe opõe (v.6) age cheio de autoconfiança |
Os v.7-11 continuam descrevendo os ímpios mostrando seus pecados mostrando como e o que eles são:
São maledicentes e mentirosos (v.7): A maldição (alah) da qual a boca está cheia não é uma execração que ele lança sobre os outros somente, mas, sim, algo que ele evoca sobre si como que dizendo: “Que eu seja amaldiçoado, que um raio caia sobre mim caso o que estou dizendo seja mentira”, exatamente como diz 2Tm 3.13: “Mas os homens perversos e impostores irão de mal a pior, enganando e sendo enganados”. Ele assim o faz por causa da sua autoconfiança e crê que jamais será tocado por qualquer pessoa e até mesmo por Deus. Assim, em sua autoconfiança ele caminha enganando as pessoas e oprimindo os mais fracos. Tudo o que ele diz promove o insulto e a iniquidade. Lembrando que “iniquidade” (`ämäl) descreve não só propósitos malignos do coração, mas, as ações nas quais esses propósitos são traduzidos.
- São espreitadores e traiçoeiros (v.8-10): as figuras que Davi usa para descrever os ímpios são impressionantes. (1) O assassino espreitador (v.8). Como um arqueiro, ou um atirador de elite que fica de tocaia esperando que um desavisado passe em sua mira, ele espreme seus olhos apurando a mira, e ataca o desamparado. (2) O leão no seu covil (v.9a-10). O que parece ser apenas uma caverna vazia esconde a morte; dali de dentro salta o leão sobre sua presa. Abaixa-se e rasteja sobre suas vítimas e encrava nelas suas garras mortíferas “trucidando os inocentes”. (3) O caçador astuto (v.9b). Se suas flechas e dardos letais não podem alcançar as vítimas distantes, ele então arma suas redes e fica de longe escondido para vê-las sendo apanhadas, enlaçadas e enleadas em suas redes.
Encontramos pessoas assim todos os dias. Estamos cercados de ímpios que estão nos espreitando a fim de nos destruir. Mas, porque fazem isso? Porque se comportam dessa maneira? A resposta é: “Diz ele, no seu íntimo: Deus se esqueceu, virou o rosto e não verá isto nunca” (v.11). As cogitações dos ímpios fazem com que cheguem à conclusão ateísta – se Deus existe, Ele não está vendo e nem mesmo Se preocupa com o que está acontecendo. Eles pensam assim: “Visto que Deus não toma conhecimento do que estou fazendo continuarei agindo assim, pois, estou me dando bem nas minhas ações”, ou nas palavras do profeta Isaías: “Ai dos que escondem profundamente o seu propósito do SENHOR, e as suas próprias obras fazem às escuras, e dizem: Quem nos vê? Quem nos conhece?” (Is 29.15).
Uma das características do ateísmo é o pragmatismo, ou seja, “se está dando certo é porque é certo, e, por isso, continuarei agindo assim”. A certeza da impunidade no coração do ateu é tão forte que ele zomba abertamente de Deus. O ímpio ateu é autoconfiante, anda emproado e altivo como se nada e ninguém pudesse abatê-lo. Em nossos dias quando até mesmo entre os filhos de Deus tem sido ensinada a autoconfiança temos de lembrar que não há uma só referência na Bíblia aprovando a autoconfiança e recomendando-a como uma virtude para o crente. A autoconfiança é o oposto da confiança em Deus.
Observando a descrição que estes versículos fazem dos ímpios, temos de nos perguntar se não temos andado pela mesma via dos ímpios. Lembremo-nos que todas as vezes que nos entregarmos deliberadamente ao pecado estaremos dizendo com nossas ações mais do que: “Deus não está nos vendo, Ele não se importa com o que estamos fazendo”, estaremos dizendo também: “Não nos importamos com o que Deus pensa a respeito disso”. Essa é a expressão mais carnal e demoníaca de ateísmo, e até mesmo aqueles que levantam sua voz em adoração a Deus no meio da assembleia dos santos podem na prática serem esse tipo de ateus.
Aplicação v.2-11: Não ceda um milímetro sequer ao pecado, principalmente quando ele ainda está no campo dos pensamentos e do coração. Seus pensamentos se tornarão ações. Se eles forem orientados para a Glória de Deus, suas ações glorificarão a Deus.
Em momentos de tribulação (cf. v.1) em que se vê o mal prevalecendo por meio de ações ímpias, é hora de se concentrar na vontade de Deus, por isso:
3) Reafirme constantemente sua confiança em Deus, v.12-18
Exposição v.12-18: “12 Levanta-te, SENHOR! Ó Deus, ergue a mão! Não te esqueças dos pobres. 13 Por que razão despreza o ímpio a Deus, dizendo no seu íntimo que Deus não se importa? 14 Tu, porém, o tens visto, porque atentas aos trabalhos e à dor, para que os possas tomar em tuas mãos. A ti se entrega o desamparado; tu tens sido o defensor do órfão. 15 Quebranta o braço do perverso e do malvado; esquadrinha-lhes a maldade, até nada mais achares. 16 O SENHOR é rei eterno: da sua terra somem-se as nações. 17 Tens ouvido, SENHOR, o desejo dos humildes; tu lhes fortalecerás o coração e lhes acudirás, 18 para fazeres justiça ao órfão e ao oprimido, a fim de que o homem, que é da terra, já não infunda terror”.
Nestes versículos finais Davi novamente traça a diferença entre o ímpio e o justo. Os filhos de Deus clamam pelo socorro divino, aguardam o agir de Deus, pois, entendem que o silêncio de Deus não quer dizer que Ele esteja apático e indiferente às labutas e sofrimentos de Seus filhos. Já os ímpios, diante do silêncio de Deus, em seus corações (íntimo) desprezam-No dizendo “que Deus não se importa” (v.13). Os filhos de Deus confiam em Deus; os ímpios são autoconfiantes.
No v.14 Davi mostra como Deus trata o ímpio e o pobre desamparado. Ao ímpio que diz que Deus não o vê e nem se importa com suas ações, Deus “o tens visto, porque atentas aos trabalhos e à dor, para que os possas tomar em tuas mãos”. Davi clamou a Deus que levantasse a Sua poderosa mão (v.12), então aqui, o ímpio nas mãos de Deus significa que ele caiu no juízo de Deus. Enquanto isso, aos desamparados e injustiçados que se entregam a Deus, Ele tem “sido o defensor do órfão”.
E como Deus defende os desamparados? Quebrando os braços do ímpio e malvado e esquadrinhando, destruindo e extirpando a maldade deles até não haver mais nada dela (v.15).
O v.16 é o ponto mais alto desse salmo, pois, enquanto o ateu zomba de Deus dizendo que Ele não existe ou que, se existir não Se importa e nem mesmo pode fazer nada contra o mal, o servo de Deus tem a plena certeza e confiança de que Deus é “O SENHOR é rei eterno: da sua terra somem-se as nações”. Deus reina absoluto sobre o universo. Seu reinado é reconhecido não só por Sua autoridade plena sobre as nações, mas, também por Seu agir e absoluto controle.
Nos v.17-18 é descrito o tratamento e cuidado de Deus para com os pobres e oprimidos:
- Ele ouve os desejos dos humildes – Ele atende as orações dos mansos (v.17);
- Ele fortalece o coração e acode a quem está abatido e em apuros (v.17);
- Ele faz justiça ao órfão e ao oprimido – àqueles que não têm ninguém por eles podem descansar na verdade de que Deus é por eles (v.18);
Muito diferente é o tratamento que Deus dá ao perverso. Primeiramente, é feita a distinção deste em relação a Deus, pois, enquanto Deus reina absoluto no Céu de glória, o ímpio “que é da terra”, ou seja, um mero mortal será totalmente desbaratado e toda a maldade por ele praticada já não existirá mais porque Deus o subjugou.
Com estes versículos finais aprendemos que as circunstâncias contrárias em que ímpios nos causam sofrimento e dor, ateus zombam de Deus e vivem numa secura espiritual, temos diante de nós uma oportunidade valiosa de reafirmarmos nossa fé e confiança em Deus. Comentando os versículos finais, Calvino disse[1]:
“…quando os hipócritas prevalecem na Igreja, ou excedem os fiéis em número, devemos, incessantemente, rogar a Deus que os erradique; porquanto um estado tão confuso e vexatório deve seguramente ser motivo de profunda tristeza para todos os servos de Deus. Com essas palavras, o Espírito Santo também nos assegura que o que Deus desde outrora concedeu aos pais, em resposta de suas orações, nós, nos dias atuais, também receberemos, desde que cultivemos essa profunda solicitude em relação ao livramento da Igreja”.
O que Calvino está dizendo aqui é que devemos distinguir entre a ira justa e a ira pecaminosa. A ira justa nos leva a agir em prol da glória de Deus e da honra de Sua Igreja, enquanto que a ira pecaminosa quer fazer justiça porque teve sua própria honra ofendida. Os filhos de Deus devem clamar a Ele para que os hipócritas e ímpios que tantos males causam à Igreja de Cristo sejam retirados, corrigidos e punidos por Deus de quem eles zombam com suas atitudes pecaminosas. Assim como Deus atendeu a oração dos justos no passado também atenderá nossas orações se formos igualmente corretos em nosso proceder.
Aplicação v.12-18: Quando você se deparar com a injustiça contra os indefesos aja contra ela. Mas, se a injustiça for contra você confie em Deus e reafirme sua confiança Nele o tempo todo, especialmente quando estiver cercado de ateus que insistem em zombar de Deus. Nunca busque a sua justiça própria, mas, sempre confie em Deus para isso. Nunca se cale diante da injustiça contra os indefesos – defenda-os, pois, Deus estará usando você como um instrumento Dele para esse fim.
Conclusão
Ser crente em Cristo Jesus vivendo num mundo infestado por um ateísmo arrogante e autoconfiante é uma tarefa possível somente para aqueles que têm em seus corações o Espírito Santo de Deus e que não olham para as circunstâncias, mas, somente para Deus. Não seja autoconfiante, mas, confie somente em Deus. Seja justo combatendo a injustiça quando feita a outros, especialmente aos indefesos, mas, em relação a você confie na justiça e graça de Deus para livrá-lo. Mostre ao mundo em quem você confia.
[1] CALVINO, 1999, vol.1, p. 230.